Tuesday, 23 October 2012

Atividade Prática 5 - Bloco Distorção: "Moda? Autofágica? Eu?"




Pós-graduação em Artes Visuais - Cultura e Criação
Senac - Centro Nacional de Educação a Distância


Atividade Prática 5 - Bloco Distorção


"Moda? Autofágica? Eu?"


A proposta para realização da atividade prática 5, referente ao bloco temático Distorção, tomou como base o conceito da alternativa abaixo.

a) “A distorção pode  expressar uma visão subjetiva, sentimentos e experiências particulares com relação ao mundo. Crie uma imagem a partir da figura humana, interpretando-a plasticamente segundo a sua própria visão."

Como o eixo central da questão contempla a idéia da figura humana, procurou-se por referências que pudessem fundamentar esse quesito e que, particularmente, tivessem alguma relação com o campo da moda e figurino. Neste sentido uma das influências mais fortes a ser consideradas e que surgiu como elemento inspirador, foi a da nudez feminina, abordada em algumas obras do bloco temático como a fotografia de Kertész e a escultura de Giacometti, que remetem diretamente à arte da estatuária grega, ainda que subvertidas no seu conceito.

A escultura grega fez do corpo, na plenitude de sua nudez, um símbolo da excelência física, intelectual e espiritual do ser humano, criando uma relação histórica entre beleza e razão.  A arte moderna, e mais especificamente a pintura cubista, apesar de rejeitar a tradição pictórica, demonstra um interesse recorrente, de inúmeros artistas, em interpretar o tema clássico do nu feminino,  onde a representação  plástica-figurativa, sofre distorções em vários sentidos.

Em uma esfera mais conceitual, a obra "Antropofagia", de Tarsila do Amaral, se torna interessante para a caracterização da moda como uma estrutura de caráter "autofágico", como define Palomino (2002):

"[...]O conceito de "estar na moda" se auto-explica e confunde. Tratar de moda implica lidar com elementos os mais complexos, especialmente quando combinados. Entrando nesse assunto, tangemos valores como imagem, auto-imagem, auto-estima, política, sexo, gender-bending (troca de sexos, ou o velho e bom masculino/feminino), estética, padrões de beleza e inovações tecnológicas, além de um caleidoscópio de outros temas: desde condições climáticas, bailes, festas, restaurantes ou uniformes até cores  (e a ausência delas), modelos, top models, supermodels ou gente "normal", mídia, fotografia de moda, moda de rua, tribos (e a ausência delas); música e diversão, mas também crise e recessão, criatividade e talento. Dinheiro também. E vaidade, competitividade, ego, modismos e atemporalidades, história e futuro, excessos, radicalismos  e básicos. Não necessariamente nessa ordem, claro. Aliás, muito pelo contrário. Na moda, tempos de luxo são substituídos por tempos de contenção, e assim por diante. Autofágica, quando achamos que estamos entendendo algo, tudo vira de cabeça para baixo de novo e de novo. Nada é eterno. O que não quer dizer que algumas imagens, pessoas ou looks não durem para sempre[...]"



Antropofagia, 1929 - Tarsila do Amaral


Etimologicamente, a palavra antropofagia refere-se ao hábito primitivo de comer a carne dos inimigos, como modo simbólico de se apropriar de sua força. Assim, é possível estabelecer uma analogia entre os dois contextos. A obra de Tarsila, que faz referência ao conceito da antropofagia modernista, com propósito de deglutir a cultura estrangeira e adaptá-la à realidade brasileira, e o conceito da moda autofágica, ou seja, que engole a si mesma. A moda precisa se matar para manter-se viva. Por ter esta natureza de caráter autodestruidor, enfatiza-se a idéia de que "basta estar na moda para deixar de estar na moda".

Escolhi como base, para a criação de uma imagem que melhor contextualizasse essas idéias, duas referências, de períodos distintos, mas que estabelecem a proposta de uma metáfora de um processo visual, tal como pensavam os modernistas do Manifesto Antropófago, que estimulava uma apropriação das linguagens artísticas européias, para usá-las em favor próprio. Partindo da referência antropofágica, optei por outra obra emblemática de Tarsila do Amaral, o "Abaporu", cuja denominação vem dos termos em tupi, aba (homem), pora (gente) e ú (comer), significando "homem que come gente".


Abaporu, 1928 - Tarsila do Amaral


A segunda referência escolhida, mais contemporânea, foi a de um ensaio fotográfico que estampou a capa da revista Vogue Homme Japão, com a cantora pop Lady Gaga, usando um biquíni feito de carne crua. O renomado fotógrafo Terry Richardson, conhecido por explorar a sensualidade em seus trabalhos, foi o responsável pelo ensaio inusitado, que recebeu um nome bem sugestivo: "A Verdade Nua". Segundo a própria cantora o modelo não representa uma ofensa, mas  um modo de chamar a atenção para questões como o preconceito, por exemplo, e afirma:
"Se nós não nos levantarmos pelo que nós acreditamos e se não lutarmos pelos nossos direitos o quanto antes, nós vamos ter os mesmos direitos que uma carne nos seus próprios ossos. E eu não sou um pedaço de carne"


Lady Gaga para capa da revista Vogue Homme Japão, 2010 - foto de Terry Richardson


A junção conceitual dessas duas obras citadas deu origem à imagem que segue, e que utilizo como resposta à solicitação desta atividade. Ela questiona sobre o real sentido do corpo, diante do preconceito concreto para com a moda, em parte por causa do seu caráter efêmero, com suas periódicas mudanças, visto que seu meio   é a roupa) e porque ela tem a ver com a aparência (supostamente privilegiando o superficial em detrimento do intelectual: forma versus conteúdo). Muitas vezes,  sendo vista também como algo feito para iludir e enganar, para ajudar no disfarce de ser alguém que, na verdade, não se é. Ficam implícitas portanto, as relações entre o sentido da carne enquanto matéria e essência, da pele propriamente dita, e da segunda pele, então representada nesse contexto pela roupa ou... ausência dela!

Ilustração "Moda? Autofágica? Eu?”, 2012 - Thiago Cerejeira


Referências:
PALOMINO, Érika. Amoda. São Paulo: Publifolha, 2002.

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