Tuesday, 20 November 2012

Questão Individual 4: Cine Dada



Pós-graduação em Artes Visuais - Cultura e Criação
Senac - Centro Nacional de Educação a Distância


Questão Individual 4

Texto:
Cine Dada

por Thiago Cerejeira

Em uma de suas muitas reflexões sobre a sétima arte, Orson Welles já dizia que "O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho". Essa afirmação evidencia a característica tão peculiar que a arte cinematográfica possui de confrontar a realidade com o imaginário, promovendo muitas vezes, no espectador a sensação de estar inserido naquele contexto, ainda que se tenha consciência de seu caráter limitado, e portanto condicionado à uma exibição momentânea através de uma tela e um projetor. De fato esses aspectos atestam o poder ilusório exercido pelo cinema ao longo de todo o século XX e que definiu sua vocação para a representação naturalista, mesmo lidando, em alguns casos, com universos completamente surreais.

Embora a ênfase desse modelo dominante clássico tenha se dado à imagem e semelhança dos padrões norte-americanos, sempre existiram momentos de recusa e alternância, que questionaram esse modelo, essencialmente narrativo, baseados no melodrama e na linearidade entre causa e efeito, e que viriam a constituir um cinema de vanguarda, liberto da estética tradicional, detentor de apropriações poéticas mais preocupadas com as funções pictóricas da imagem, assim como de suas qualidades gráficas e plásticas.

No período compreendido entre 1921 e 1931, desenvolveu-se um movimento artístico independente na cinematografia, que ficou conhecido como Avant-Garde, e foi paralelo a movimentos nas artes plásticas tais como o Expressionismo, o Futurismo, o Cubismo e o Dadaísmo, tendo caráter não comercial e não representacional, porém internacional.  Neste sentido, o grupo de artistas que se dedicou à proposta de um cinema dadaísta, talvez tenha sido um dos mais influentes e marcantes para a história da cinematografia, por apresentarem um misto de delicadeza e humor corrosivo aliados à uma atitude radical e anárquica. Seu principal objetivo era a negação e ironia dos valores estéticos tradicionais, visando prioritariamente os aspectos inerentes ao ritmo e ao movimento, dentro de um contexto que primava pela percepção da luz.

A proposta extravagante,"Entr'act", de René Claire, contava com o roteiro de Francis Picabia, trilha sonora composta por Erik Satie e era inspirado em Mark Sennett. Entreato, como o próprio nome sugere, fora criado para ser projetado no intervalo das duas partes do escandaloso balé Relâche, concebido pelo próprio Picabia cujo título significa  "não há encenação hoje". Apresenta sequências desconexas, desprovidas de estrutura  lógica, em uma relação não causal, em que belas imagens são justapostas a imagens grotescas e cômicas, resultando num grande deboche de convenções  e valores estéticos.  O filme mostra desde ângulos inusitados de uma bailarina barbuda e ritmos frenéticos de um funeral até balões infláveis soltos no ar, e imagens de Man Ray e Marcel Duchamp jogando xadrez, com panorâmicas tão rápidas que se reduziam a manchas disformes na tela. Planos agressivos e propositalmente desprazerosos caracterizam esta comédia de perseguição de um artista que, no final, faz desaparecer todas as personagens, inclusive ele próprio.  Seu alvo era mesmo o de provocar o público e escandalizar a burguesia francesa, assim como escandalizou posteriormente as cidades de Londres e Nova Iorque.











Pintor e Fotógrafo, Man Ray fez seu primeiro filme "Le Retour à La Raison", em um só dia. O título se refere a um retorno a razão mas, paradoxalmente,  o filme revela-se inteiramente sem razão. Utilizaram-se fotogramas de película virgem, cobertos com  sal,  pimenta, alfinetes e botões, que depois de revelados, projetavam efeitos metálicos na tela, apresentando registro da sombra destes materiais. Os trechos também foram montados em uma sequência desconexa, com outras imagens obtidas em filmagem tradicional. O corpo  nu de uma mulher foi um dos únicos elementos concretos do filme, que continha cenas comuns em um contexto incomum. Esta foi uma obra dadaísta, tanto pelos elementos utilizados quanto pelos seus  resultados, uma vez que causou uma reação violenta na platéia sendo interrompida a projeção após três minutos de sua exibição.

 



Como podemos observar, tanto nas obras de Claire como de Man Ray, as imagens resultaram da livre  experimentação de meios artísticos que caracterizou todo o dadaísmo, neste caso voltada a idéia de se fazerem filmes sem as convenções cinematográficas, tendo como base porém os padrões naturalistas, ainda que em uma iniciativa de caráter experimental. Os filmes de Avant-Garde foram algumas vezes denominados de "cinema absoluto" ou de "cinema puro" devido sua ênfase nos valores rítmicos e estéticos.  Temos aí, portanto,  uma versão iconoclasta, à medida que esses filmes,  rompem drasticamente com comportamentos e  idéias estabelecidos, gerando assim uma atmosfera de tensão,  provando que os paradoxos visuais  dadaístas  também podem nos arrebatar com sua estranha poesia, justificando assim a afirmação do criterioso cineasta Federico Fellini, que cita:

"Para o cinema tudo se torna uma imensa  natureza-morta. Até os sentimentos dos outros  são qualquer coisa de  que se pode dispor"
 
Desse modo, essas formas experimentais que exploram um sentido de tensão, leva à constatação de que o cinema, apesar de seu intrínseco aspecto emocional, é sobretudo, a técnica de projetar fotogramas (quadros) de forma rápida e sucessiva para criar a impressão de movimento, bem como a arte de se produzir obras estéticas, narrativas ou não, com esta técnica. Compreende, portanto, uma técnica, uma forma de comunicação, uma indústria e uma arte.

Iconografia:

Entr'acte, 1924 - René Clair - Imagens com frames do filme.

Le retour a la raison, 1923 - Man Ray - Imagens com frames do filme.


Referências:

CEREJEIRA, T. L. T. Cine Dada. 2012.
 
RICHTER, Hans. Art and Cinema. 1947.

VIEIRA, João Luiz. Cinema. 2007.

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