Pós-graduação em Artes Visuais - Cultura e Criação
Senac -
Centro Nacional de Educação a Distância
Questão
Individual 4
Texto:
Cine
Dada
por Thiago Cerejeira
Em
uma de suas muitas reflexões sobre a sétima arte, Orson Welles já dizia que
"O cinema não tem fronteiras nem
limites. É um fluxo constante de sonho". Essa afirmação evidencia a
característica tão peculiar que a arte cinematográfica possui de confrontar a
realidade com o imaginário, promovendo muitas vezes, no espectador a sensação
de estar inserido naquele contexto, ainda que se tenha consciência de seu
caráter limitado, e portanto condicionado à uma exibição momentânea através de
uma tela e um projetor. De fato esses aspectos atestam o poder ilusório
exercido pelo cinema ao longo de todo o século XX e que definiu sua vocação
para a representação naturalista, mesmo lidando, em alguns casos, com universos
completamente surreais.
Embora
a ênfase desse modelo dominante clássico tenha se dado à imagem e semelhança
dos padrões norte-americanos, sempre existiram momentos de recusa e
alternância, que questionaram esse modelo, essencialmente narrativo, baseados
no melodrama e na linearidade entre causa e efeito, e que viriam a constituir
um cinema de vanguarda, liberto da estética tradicional, detentor de
apropriações poéticas mais preocupadas com as funções pictóricas da imagem,
assim como de suas qualidades gráficas e plásticas.
No
período compreendido entre 1921 e 1931, desenvolveu-se um movimento artístico independente na
cinematografia, que ficou conhecido como
Avant-Garde, e foi paralelo a movimentos nas artes plásticas tais como o
Expressionismo, o Futurismo, o Cubismo e o Dadaísmo, tendo caráter não
comercial e não representacional, porém internacional. Neste sentido, o grupo de artistas que se
dedicou à proposta de um cinema dadaísta, talvez tenha sido um dos mais
influentes e marcantes para a história da cinematografia, por apresentarem um
misto de delicadeza e humor corrosivo aliados à uma atitude radical e
anárquica. Seu principal objetivo era a negação e ironia dos valores estéticos
tradicionais, visando prioritariamente os aspectos inerentes ao ritmo e ao
movimento, dentro de um contexto que primava pela percepção da luz.
A
proposta extravagante,"Entr'act", de René Claire, contava com o
roteiro de Francis Picabia, trilha sonora composta por Erik Satie e era
inspirado em Mark Sennett. Entreato, como o próprio nome sugere, fora criado
para ser projetado no intervalo
das duas partes do escandaloso balé Relâche, concebido pelo próprio Picabia cujo título
significa "não há encenação
hoje". Apresenta sequências desconexas, desprovidas de estrutura lógica, em uma relação não causal, em que
belas imagens são justapostas a imagens grotescas e cômicas, resultando num
grande deboche de convenções e valores
estéticos. O filme mostra desde ângulos inusitados de
uma bailarina barbuda e ritmos frenéticos de um funeral até balões infláveis
soltos no ar, e imagens de Man Ray e Marcel Duchamp jogando xadrez, com
panorâmicas tão rápidas que se reduziam a manchas disformes na tela. Planos
agressivos e propositalmente desprazerosos caracterizam esta comédia de perseguição de um
artista que, no final, faz
desaparecer todas as personagens, inclusive ele próprio. Seu alvo era mesmo o de provocar o público e
escandalizar a burguesia francesa, assim como escandalizou posteriormente as
cidades de Londres e Nova Iorque.
Pintor
e Fotógrafo, Man Ray fez seu primeiro filme "Le Retour à La Raison",
em um só dia. O título se refere a um retorno a razão mas, paradoxalmente, o filme revela-se inteiramente sem
razão. Utilizaram-se fotogramas de película virgem, cobertos com sal,
pimenta, alfinetes e botões, que depois de revelados, projetavam efeitos metálicos na tela,
apresentando registro da sombra destes materiais. Os trechos também foram
montados em uma sequência desconexa, com outras imagens obtidas em filmagem
tradicional. O corpo nu de uma mulher
foi um dos únicos elementos concretos do filme, que continha cenas comuns em um
contexto incomum. Esta foi uma obra dadaísta, tanto pelos elementos utilizados
quanto pelos seus resultados, uma vez
que causou uma reação violenta na platéia sendo interrompida a projeção após
três minutos de sua exibição.
Como
podemos observar, tanto nas obras de Claire como de Man Ray, as imagens
resultaram da livre experimentação de
meios artísticos que caracterizou todo o dadaísmo, neste caso voltada a idéia
de se fazerem filmes sem as convenções cinematográficas, tendo como base porém
os padrões naturalistas, ainda que em
uma iniciativa de caráter experimental. Os filmes de Avant-Garde foram algumas
vezes denominados de "cinema absoluto" ou de "cinema puro"
devido sua ênfase nos valores rítmicos e estéticos. Temos aí, portanto, uma versão iconoclasta, à medida que esses
filmes, rompem drasticamente com
comportamentos e idéias estabelecidos,
gerando assim uma atmosfera de tensão,
provando que os paradoxos visuais
dadaístas também podem nos
arrebatar com sua estranha poesia, justificando assim a afirmação do criterioso
cineasta Federico Fellini, que cita:
"Para o cinema tudo
se torna uma imensa natureza-morta. Até
os sentimentos dos outros são qualquer
coisa de que se
pode dispor"
Desse
modo, essas formas experimentais que exploram um sentido de tensão, leva à
constatação de que o cinema, apesar de seu intrínseco aspecto emocional, é
sobretudo, a técnica de projetar fotogramas (quadros) de forma rápida e
sucessiva para criar a impressão de movimento, bem como a arte de se produzir
obras estéticas, narrativas ou não, com esta técnica. Compreende, portanto, uma
técnica, uma forma de comunicação, uma indústria e uma arte.
Iconografia:
Entr'acte, 1924 - René Clair - Imagens com
frames do filme.
Le retour a la raison, 1923 - Man Ray -
Imagens com frames do filme.
Referências:
CEREJEIRA, T. L. T. Cine Dada. 2012.
RICHTER, Hans. Art and Cinema. 1947.
VIEIRA, João Luiz. Cinema. 2007.




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