Senac - Centro Nacional de Educação a Distância
Questão Individual 2
Texto:
Moda: Reflexo de seu tempo
por Thiago Cerejeira
A Moda enquanto fenômeno social é uma manifestação que surge no final da idade média, ocasionada pelo desenvolvimento das cidades e a organização da vida nas cortes.
A aproximação das pessoas na área urbana levou ao desejo de imitar, e enriquecidos pelo comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas dos nobres, criando assim a dinâmica de um sistema com caráter estratificador, que promoveu a diferenciação dos trajes, tanto no conceito de gênero, entre homens e mulheres, quanto no aspecto social. As convenções acerca do que usar seguiam os padrões ditados pela nobreza. A primeira noção da figura de estilista ou criador, data do final do século 18, e é atribuída a Rose Bertin (1747 - 1813), modista responsável pelas toilletes da rainha Maria Antonieta, da França.
No século 19, surgiram necessidades mais complexas de distinção das vestimentas, relacionadas à afirmação pessoal do indivíduo como membro de um grupo, assim como de sua capacidade de expressar idéias e sentimentos. Essas mudanças se caracterizaram principalmente nos artigos utilizados para a confecção das roupas. Antes não havia distinção entre os tecidos usados por homens e mulheres, e é a partir de então que o vestuário desses dois grupos se afasta cada vez mais, restrito para eles e abundante para elas.
A Revolução Industrial instala uma nova fase na moda, de aceleração mudanças e novos desafios. A figura do estilista ou criador é reconhecida profissionalmente com o advento da Alta-Costura, no início do século 20, estabelecendo novos padrões de consumo e uma ruptura com a indumentária de décadas anteriores. Porém só a partir dos anos 60 se inicia o que se define como uma segunda etapa do vestuário contemporâneo, com novos valores entrando em cena, e instaurando uma fase mais sofisticada de leitura de moda. Para o francês Gilles Lipovetsky, o grande período da moda foi de 1850 a 1970, quando ocorreram as grandes revoluções de estilo que marcaram a aparência moderna. Segundo Lipovetsky, a roupa foi emblemática de posição social por séculos, mas na contemporaneidade, deve assumir um caráter essencialmente prático.
A moda está inserida em um contexto, que por vezes, se inspira e promove releituras do passado. Neste sentido, é importante destacar as contribuições de artistas emblemáticos, que apresentam aspectos de continuidade com o passado, afinidade com o presente e projeção de futuro.
Giacommo Balla (1871 - 1958) foi um dos pintores a assinar o Manifesto Futurista de 1910 que cultuava um movimento, através da idealização de um futuro urbano e moderno, feito de sensações intensas e mudanças contínuas. Ao criar o "figurino para um ballet futurista", em 1930, Balla procurou incorporar na própria roupa, o que seriam os efeitos visuais da dança sob a iluminação de palco reforçando as sensações de dinamismo e variação no corpo dançante. Sua projeção para o futuro aparece na liberdade de expressão em criar figurinos informais, que rompem com o padrão clássico, adaptáveis às diversas situações e que poderiam ser usados por ambos os gêneros. A ligação com o passado é representada pela inspiração na roupa de corte reto, antes associada somente ao vestuário masculino, mas reinventada e inserida, no guarda-roupa feminino, pela estilista Coco Chanel (1883 - 1971), na década anterior. Chanel foi a estilista responsável por trazer o terno masculino para o universo feminino, e hoje, o terninho de alfaiate usado pelas mulheres é o marco da moda do século 20, pois a peça transmite para as mulheres a mesma sensualidade e poder que transmite aos homens, e é isso que o torna um clássico da moda.
Figurino para um ballet futurista, 1930 - Giacommo Balla
Tailleur - O terno masculino adaptado ao universo feminino,,Década de 20 - Coco Chanel
Outra contribuição atribuída à Mademoiselle Chanel é a de libertar o corpo feminino do aprisionamento dos espartilhos, peça muito utilizada na indumentária dos séculos anteriores. Essa quebra e libertação do corpo da mulher também foi incentivada, nesta mesma época, por Madeleine Vionnet (1875 - 1976), outra artista inovadora da Alta-costura, que, diferente dos cortes retos de Coco Chanel, explorava tecidos leves, que se adaptavam ao corpo, com vestidos em corte enviesado e drapeados, referência que buscou no passado, inspirada na arte grega, sinônimo de leveza, harmonia e elegância. A afinidade com o presente foi uma releitura que conferiu desobrigação do corpo feminino, do uso dos corseletes, trazendo mais conforto e construindo uma nova personalidade para a mulher até os dias de hoje.
A mulher e o espartilho, imagem do início do século 20 "Belle Époque"
Baas Relief, 1931 - Madeleine Vionnet
No Brasil, na década de 50, o desenhista Alceu Penna (1915 - 1980), conseguiu com seu desenho agir sobre o modo de ser do brasileiro, determinar maneiras de comportamento, de sentir, escolher e vestir, construindo assim a primeira noção de uma moda tipicamente nacional. Mulheres de biquíni, lindas e maliciosas, foram temas constantes em sua coluna "As Garotas do Alceu", da revista O cruzeiro, onde ele representava a mulher brasileira e lançava moda, referência para estilistas e modistas. Sua ilustração revoluciona e recorre ao passado, quando mostra o biquíni, criado a partir do maiô, uma peça única já aceita e absorvida pela sociedade. A divulgação do biquíni, em suas publicações, simbolizou o primeiro passo para a liberdade e liberação do corpo feminino, tornando a peça popular e caracterizando-a como uma moda integrada à sociedade moderna e associada ao ideal da mulher do futuro, livre, bonita e sedutora.
Ilustração de moda com maiô, Década de 50 - Alceu Penna
Ilustração de moda com biquini, década de 1950 - Alceu Penna
Uma importante ressalva, se faz necessária ao estilista francês Christian Lacroix, hoje tido como uma grande referência da Alta-costura, e que insere o conceito contemporâneo de sustentabilidade na moda, abordando questões relativas à reciclagem e reaproveitamento de materiais, estabelecendo a relação "Do lixo ao luxo", evidente em sua criação de 1996, "Casaco de Organza Rasgada", confeccionado a partir de retalhos. Essa inserção de Lacroix alerta para os rumos da moda no mundo contemporâneo e incita à postura crítica que se deve assumir diante da responsabilidade social sobre uma conscientização ecológica, para a projeção do futuro, assunto-chave na pauta de debates do novo milênio. A análise desse conceito nos leva à reflexão do pensamento deixado pelo sociólogo francês Jean Baudrillard, que ao definir o sistema da moda, coloca:
"A moda e, de modo mais amplo o consumo, que é inseparável da moda, mascara uma inércia social profunda"
Casaco de organza rasgada, 1996 - Christian Lacroix
Ilustração de moda, Década de 90 - Christian Lacroix
Referências:
BARTHES, Roland. O sistema da moda. São Paulo: Ed. Nacional / Edusp, 1979.
CALDAS, Dario. Universo da Moda: Curso Online. São Paulo: Anhembi Morumbi, 1999.
CEREJEIRA, T. L. T. Moda: Reflexo de seu Tempo. 2012.
Arquivo em PDF disponível para download em:
http://www.4shared.com/office/fwvdVXya/qti_2_-_moda_reflexo_de_seu_te.html
CEREJEIRA, T. L. T. "E quanto ao surgimento da moda". Disponível em: www.modahistoria.blogspot.com.
HOLLANDER, Anne. O Sexo e as Roupas: a Evolução do Traje Moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a Moda e Seu Destino nas Sociedades Modernas. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
PALOMINO, Érika. Amoda. São Paulo: Publifolha, 2002.
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